Quero começar com trechos de cartas escritas por pais e endereçadas a Mariateresa Zattoni e Gilberto Gillini. As mesmas foram transformadas em temas do livro escrito por eles com o título original  I Genitori si interrogano (tradução brasileira: Os pais se perguntam… A narração como proposta de mudança).  Lá vai:
(…) Ainda bem que tenho Davi, meu filhão de dez anos. Carmela, de oito, é farinha de outro saco. Não liga para nada, é preguiçosa, não move uma palha por ninguém. Já Davi é muito sensível, inteligente, é meu consolo. Pedi a Deus um filho como ele e fui atendida.
Tenho um filho de dez anos, Eugênio, que para mim transformou-se num transtorno, no sentido que vivo mal comigo mesma por causa dele. Entre outras coisas, há um ano e meio dei à luz a sua irmãzinha, que cresce bem alegre, o oposto dele, coitadinho. (…) . Desde que a irmã nasceu ele fica o máximo de tempo fora de casa. Sei porque age assim; é para não ver a alegria de Ana Rosa, que cresce como uma flor. (…) Minha preocupação é que só eu entendo o que Eugênio sente e não mais sei o que fazer para ajudá-lo.
Minha filha Silvia está me levando a loucura. Não posso reclamar de nada, nem do colégio, porque este ano, como das outras vezes, chegará em casa aprovada. Não faço outra coisa a não atender à suas ordens. (…) Cansei de lhe dizer que tenho minhas exigências e que ela tem que aprender a respeitá-las, pois já está crescida e poderia muito bem ajudar um pouco em casa e não se sentar a mesa e torcer o nariz.
Que um simples pai azulejista com um uma professora muita ativa resolva pegar a caneta e escrever-lhe pode parecer um absurdo. Mas sinto-me exasperado. “Se você vive descascando laranja para ele, o que vai fazer da vida sozinho”, digo a ela, às vezes.


Ontem falamos que diversas questões que levam os pais a gostar de forma diferente de um filho para outro e a maioria das histórias acima comprova exatamente isso, usando exemplos muito práticos sobre o tema. Mas algo muito mais preocupante aparece como similares nos diferentes relatos. Você consegue perceber? Sim, todas as narrações falam de filhos (homens) coitadinhos e no, contraponto, temos filhas (mulheres) que são “farinhas de outro saco”- arrogantes e egoístas.
Não é a primeira vez que abordamos este tema, (vide Filhos hoje, homens amanhã e  Amor de mães e filhas, um delicado equilíbrio), mas sempre me impressiono com os relatos que ouvimos nos diálogos do projeto Movimentos Humanos. O tema, como sempre menciono, gera discussões fortes e polêmicas. As mulheres, principal e invariavelmente, falam das diferenças de criação entre elas e seus irmãos homens. É inegável que se trata de um padrão.
Sempre falo que filhos não vêm com manual de instrução e certamente não é possível acertar sempre no que diz respeito a educação. Mas é impressionante ver como mães não conseguem perceber o que fazem com seus filhos, que mais tarde viram exatamente os homens que tanto rejeitamos. Assim como também me parece estranho mães agindo como adolescentes perante as filhas, numa grande queda de braço para decidir quem tem poder nesta relação.
A grande lição que tiro de histórias como as que ilustram o início do texto é como cada indivíduo faz parte do sistema familiar em que está inserido. A experiência que cada um terá nesse sistema vai acompanhá-lo vida afora. Que grande responsabilidade! Mas não há como fugir. É uma relação tão entrelaçada entre os indivíduos que nelas sem encontram, seja na função de pais ou de filhos – ou mesmo ambas, que não há outro caminho se não conviver com ela (seja encarando o assunto, seja deixando guardado debaixo do tapete). Obviamente profissionais qualificados podem ajudar. Literaturas especializadas e com boa reputação também! Mas só nossos corações podem nos dizer e aceitar, humildemente, que precisamos entender para mudar o curso da relação pais e filhos. É trabalhoso, puxado e depende muito do quanto conhecemos a nós mesmos.
Mas é muito bom pensar que meninas podem crescer fortes e com estima equilibrada se encontrar na mãe uma autoridade e não uma autoritária que entra na sua energia competitiva. E o meninos? Ah! Os meninos! Que mundo maravilhoso pode se abrir para eles, um novo tempo mesmo, em que possam viver sem a sombra de ter que ser os machos provedores ou molengas bobos sem personalidade. Depende de nós, pais de hoje, que isso aconteça.