Tempos atrás fui com uma amiga buscar uma encomenda na casa de uma senhora (amiga das antigas da sua mãe). Era um sábado, logo após o almoço, e a vila simpática em que morava estava um silêncio só.  Ela  veio nos receber feliz e amorosa, mas falando bem baixinho, quase sussurrando. 

Quando entramos ela fez sinal para falarmos como ela, pois “ele” estava dormindo. Intuí que “ele” era um netinho e comecei a falar bem baixinho, afinal, não queria acordar o pequeno. Sentamos na sala e entre uma conversa e outra, ela falava algo “dele”. 

Ele anda tão fraquinho. Ele não come mais como antigamente. Ele… ah…coitadinho

Comecei a ficar com o coração apertado pensando se tratar de uma criança doentinha. Então “ele acordou”. Veio andando sozinho do quarto. Mas para minha surpresa “ele” era o marido dela! 

Ela, aliás, enquanto eu me surpreendia, já estava na cozinha preparando um café, para ele, claro. Enquanto isso o senhor atravessou a sala arrastando os chinelos, nos cumprimentou à distância, sentou-se confortavelmente numa poltrona e ligou a TV. Parecia um rei em seu trono. 

Ela serviu o café. Ele perguntou se não tinha bolo. Ela mais do que depressa lhe trouxe uma generosa fatia de bolo. Quando percebeu que ele havia se acalmado, voltou para a sala e gentilmente nos ofereceu café e bolo. Mas já não era mais aquela senhora falante e relaxada. Uma tensão se estabeleceu no ar e a visita encerrou-se rapidamente.

Sempre quando lembro desta história penso que poderia se tratar de uma peça de Nelson Rodrigues. Mas hoje, depois de uma longa conversa com a Nany, eu entendi que o comportamento deste casal não é exatamente um conto e sim, uma realidade bem comum. Sabe-se lá por que, mas nós mulheres, tendemos a apoiar esta situação do homem tão fraquinho, desamparado, tão coitadinho. E não acontece só com casais mais velhos não. Nunca havia me dado conta até hoje, mas é muito comum mesmo, inclusive com casais mais jovens. Tenho amigas que tratam os seus maridos como filhos frágeis. Sempre existe um motivo.

Coitado! trabalha tão longe. Coitado! está doente. Coitado! sofreu tanto naquela firma. Tadinho! Ele sai tão cedo de casa que eu nem me chateio de acordou UMA HORA antes que ele para fazer uma comidinha para ele levar.

Não estou falando de mulheres dependentes não. Estou narrando casos de mulheres fortes e decididas, porém dispostas a fazer concessões de todos os tipos em nome do companheiro tão “coitadinho”. Não é à toa que “concessão” é um substantivo feminino!

Fico confusa com isso. Nós reclamamos tanto dos homens bobões, sem atitudes, incapazes e, no entanto, o achamos coitadinhos? Estranho, não? Será que não é hora de deixarmos nossos rapazes caminharem com mais autonomia e atitude? 

Fiquei aqui pensando que seria legal se o senhor acordasse um dia desses e, simplesmente, a amiga da minha amiga tivesse se evaporado, sem deixar nem um bilhetinho explicando o sumiço. Será que ele faria o seu próprio café? Bolo eu tenho quase certeza que não faria. Nelson Rodrigues, eu creio, iria divertir-se com essa virada de mesa da senhora. E eu também!