Antes de qualquer coisa, para quem estranhou o título do artigo, a resposta é sim, nós somos sustentáveis. Se não, não tivéssemos chegado até aqui. O desejo e instinto de preservação da nossa espécie estão em nós. A nossa Essência é sustável por natureza e por origem. O que levou ao comportamento autodestrutivo que temos demonstrado pelo menos no último milênio, provavelmente tenha sua origem na perda da compreensão do elo que temos com o Sistema que nos rodeia. E como esse Sistema se retroalimenta, permitindo a sobrevivência dele próprio. Quando decidimos dividir, partir, segmentar (atenção às segmentações de mercado!), para melhor estudar, entender e focar, em algum momento do nosso processo evolutivo, esquecemos o Todo. A Parte se tornou mais relevante do que o Todo. Ainda, a hierarquização desses pedaços em que dividimos o Todo, contribuiu em muito, a essa perda de significado de nossa existência, do nosso papel dentro do Sistema e dele na nossa vida.

A nossa Essência, além de sustentável, é solidária. Através dos tempos fomos desenvolvendo um valor moral para a sustentabilidade de nossa espécie. Além de cuidarmos pela preservação dela – ou talvez por conta disso – fomos criando um vínculo de responsabilidade com a espécie humana. A solidariedade é o “sentido moral que vincula o individuo à vida, aos interesses e as responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade” nos lembra o Aurélio. Portanto, há muito tempo a solidariedade também faz parte da nossa Essência. Talvez ela se confunda com o instinto de preservação de uma espécie. O importante aqui desse raciocínio, é que a solidariedade faz parte da moral humana. Está na sua Essência.

Todos nós costumamos nos sentir bem quando realizamos um ato nobre. Quando realizamos um ato belo oriundo da ética do bem comum. Quem já experimentou a felicidade proveniente da vaidade – cuja força radica no reconhecimento do outro – e a felicidade proveniente do orgulho que sentimos de nós mesmos quando atuamos coerentes com nossa essência solidária, conhece a diferença entre esses dois estados de felicidade e sabe o quanto o segundo é mais duradouro, gera estabilidade, segurança e firmeza do que o primeiro.

Quando solicitam à Behavior, pesquisas de mercado que provem que os consumidores pensam nas empresas que divulgam ações de sustentabilidade para decidir suas compras, costumo dizer que optar por investir neste tipo de ações, antes de qualquer coisa, vem de uma decisão moral. Ela é interna. Ou se tem esse vinculo desenvolvido com a espécie humana e com o Todo, ou ele está subjacente, embaixo de outras crenças e valores. Acredito que umas das causas para esse vínculo não estar tão evidente, e por isso ser muitas vezes relegado, tem a ver com a perda da noção sistêmica do Todo.

Vários movimentos têm ajudado a trazer de volta a visão sistêmica às corporações. Pensar categorias de produtos distantes das nossas, como concorrentes indiretos que ‘dividem’ o bolso do nosso público; a inserção de processos nas corporações ao invés da visão departamentalizada da execução de projetos, são alguns dos exemplos. Com o tempo estamos retomando a compreensão de que a soma das partes, quando trabalhadas isoladamente, não é igual ao Todo. Um dos problemas da divisão é que temos tendência a hierarquizarmos as partes. O que imediatamente torna com maior valor algumas e com menos valor outras. Com o tempo tendemos a desprezar aquilo que menos valorizamos e quando decidimos juntar todas as partes novamente, algumas ficaram mais desenvolvidas e outras foram atrofiadas. Evidente que o Todo, já está afetado. Num sistema, todas as partes são retroalimentadas de tal forma que mantenha o sistema operando perfeitamente.

Com o tempo, a retomada da visão sistemática trará compreensão e virará prática constante dentro das corporações. A partir deste ponto a entender que todo o planeta Terra é um sistema e que nos somos uma parte dele – só uma parte -, pode ser um pulo. Quando isso acontecer, compreenderemos claramente que as matanças que estão acontecendo num ponto distante da África, têm a ver conosco sim. Que o degelo da Antártica e as chuvas torrenciais nas nossas terras, têm a ver conosco sim.

A Essência Corporativa é um caminho de volta a si mesmo, à nossa natureza solidária e nobre, e conseqüentemente sustentável. A Essência precede a empresa e a marca construída. Talvez ela não esteja sendo exercida com todo seu potencial. Talvez a Identidade de Marca, que é o exercício dessa Essência, por inúmeras circunstâncias não esteja mostrando toda a sua força. Mas ela está lá. É o etos que mantém a empresa e sua marca vivas. Num segundo momento a Essência Corporativa ajuda à compreensão do sistema ao qual estamos inseridos e ajuda a escolher o melhor caminho para contribuir com o mundo.

Na prática o projeto Essência Corporativa da Behavior tem como objetivo ajudar os decisores das corporações e marcas a (re)descobrirem sua vocação original e verdadeira e seu propósito de existência. A metodologia que utilizamos chama-se Despertar para Si que é um caminho simples e singelo de auto-reconhecimento. Essa Essência costuma estar além dos desejos, das intenções, dos planejamentos e dos mercados-alvo. Além do que os stakeholders valorizam ou deixam de valorizar. Ela é interna. Nosso trabalho é ajudar a que Ela venha à tona de forma clara e contundente. Quando vem deste modo a sua disseminação é rápida porque faz sentido. E é através dessa Essência Corporativa que a marca poderá encontrar a sua melhor e mais eficiente forma de contribuir com o mundo. Obtendo assim reconhecimento duradouro porque, num período no qual estamos cada vez mais nus graças à força que as mídias, ainda consideradas ‘menos nobres’ pelo mercado, estão exercendo sob nós, atacar aquilo que é verdadeiro e autêntico, fica mais difícil.

(Re)encontrar sua Essência é voltar a sustentabilidade como Ser e não como uma estratégia, como uma ação, como um apêndice que cuida das coisas ‘nobres’. Ou se é nobre ou não se é. Ou se é sustentável ou não se é. Podemos ter mais ou menos nobreza, sustentabilidade e solidariedade dentro de nós. Mas elas fazem parte do nosso Ser. Eu acredito, profundamente, que independente da quantidade, há vontade. Costumamos confundir o exercício (formas) desses sentimentos com sermos ou não sermos. Enquanto as corporações segmentarem, dividirem, criarem departamentos ou institutos e fundações para cuidarem da sustentabilidade e a solidariedade como um apêndice, sem se preocupar no exercício de Ser sustentáveis e solidários, de promover esses sentimentos internamente, dificilmente haverá reconhecimento por longo prazo. Porque faltará integridade. Faltará coerência, congruência. Ao promover a sua Essência, a corporação estará se protegendo de contradições, de ações que venham a ser executavas com a melhor das intenções mas que pouco somam e, muitas vezes, constroem telhados de vidro sob a marca.

Concluímos recentemente o projeto Essência Corporativa com O Boticário (veja o case no site da Behavior www.behavior.com.br). Conversamos com o fundador e atual presidente do Conselho Administrativo, o Dr. Miguel Gellert Krigsner, promovendo o auto-reconhecimento através do relato de sua história, dos motivos que o levaram a criar O Boticário, analisamos as decisões tomadas ao longo da história da empresa, a visão de futuro da marca e o questionamos sobre seu propósito de vida. Com o atual presidente, Artur Grynbaum, braço direito, parceiro e amigo há mais de vinte anos do Dr. Miguel e que o ajudou a tornar essa marca a potência que ela é, trabalhamos além desses temas, os planos futuros e a visão do negócio.

Conduzidos pela Andrea Mota, diretora nacional de marketing e vendas, entrevistamos diversos stakeholders que nos permitiram alinhavar a Essência dessa marca. Com todo o cuidado que um projeto dessa natureza exige, trabalhamos delicadamente as questões mais difíceis, as crenças arraigadas que não se comprovavam. Conseguirmos, ao final, um resultado que se provou verdadeiro não só pela receptividade que obteve, o orgulho despertado, mas pela sensação causada nas pessoas de terem sido elas que criaram esse raciocínio. É claro que foram elas. Se não, não seria a Essência Corporativa do O Boticário. Considero que seja esse o efeito que o re-encontro consigo mesmo deva gerar.