Os românticos que me perdoem, mas desde o início deste texto é preciso que fique claro um conceito que venho construindo a partir dos meus estudos: toda relação exige trocas e, quanto mais justas elas forem, melhor a relação para ambos. E, quanto melhor a relação para ambos, maior a felicidade de todos. O amor perdoa, considera, doa mas não é capaz de garantir a felicidade num relacionamento amoroso. O que garante uma boa relação amorosa – e qualquer outro tipo de relacionamento humano – é um bom acordo de trocas.

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Podemos amar romanticamente alguém de forma incondicional, porém esse tipo de amor pode acabar com o nosso relacionamento se não compreendermos que:

Amor e relacionamento devem ser vistos e tratados de forma distinta.

Já ouvi o conselho antigo que diz que amar demais acaba com o casamento. Essa crença, dita especialmente para as mulheres, carregava a visão de mundo de que a mulher, ao se dedicar demais a seu amor, perdia-se de si mesma.

Se separarmos os conceitos de amor e de relacionamento – embora possam tranquilamente caminhar juntos e um impulsionar o outro –, vamos entender que amar incondicionalmente faz bem para quem ama. Sempre aconselho viver a entrega do amor. Viver o amor nos alarga, nos faz crescer, nos torna maiores e nos nutre; tal como exercitar um músculo, desenvolve mais e mais amor no nosso coração. Cada vez estou mais convencida de que o amor foi feito para ser doado e não para ser trocado. Se fluirmos na energia do amor, somos capazes de desejar o melhor para o outro sem esperar nada em troca – nesse ponto, o amor se distingue do relacionamento.

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O relacionamento, ao contrário, é embasado na quantidade de energia que trocamos para manter viva a comunhão de vida. Me desculpem, novamente, os românticos; gosto de associar o relacionamento a um jogo de ping-pong. Só conseguimos manter o jogo aberto se cada um dos participantes estiver atento à bola para devolvê-la.

Deixar a bola cair fará que o jogo pare. Pode não acabar, mas precisaremos recomeçar.

Existem pessoas com a autoestima tão baixa que vivem uma relação absurdamente desigual e não conseguem sair dela. É como se precisassem comprovar a cada dia que o valor delas é baixo; assim, alimentam um relacionamento que comprova essa crença – as crenças têm o poder de impulsionar comportamentos que as comprovem. Daí a dificuldade em mudar as crenças que conduzem as nossas vidas. Voltemos ao exemplo do jogo de ping-pong: quanto tempo conseguiremos jogar sozinhos com o outro encostado?

Portanto, respondendo à minha pergunta do título: sim, é possível existir amor incondicional num relacionamento amoroso, sempre e quando o relacionamento em si for estabelecido com outras condições. As condições de trocas.

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É importante dizer que as trocas não precisam ser iguais – e aqui muitos casais erram a mão. O fato de um gostar de sair com os amigos, por exemplo, não significa, necessariamente, que o outro precise também sair ou ter a mesma liberdade. O que importa é que as questões a serem trocadas tenham importância similar para as pessoas que irão receber a troca. Assim, nenhum irá se sentir injustiçado. O sentimento de injustiça faz a raiva se instalar.

Com raiva acumulada, as possibilidades de perder o controle e ferir o outro são imensas. Depois de dito ou feito, pouco sobra para recuperar.

Também é necessário entender o limite do outro, avaliar se esse limite é suficiente para você e, se assim for, seguir em frente. Se não aceitarmos o limite do outro – algo que ele não será capaz de nos dar, oferecer ou fazer –, estaremos sempre cobrando algo que não virá e, ainda, ficaremos constantemente infelizes e estressando a relação. Pode haver a esperança de o outro mudar, mas isso dependerá da pessoa, do seu nível de consciência e desejo de mudar. Vamos sempre lembrar que ninguém muda ninguém. Ficar na espera, quase eterna, de que o outro mude fará nossos dias infelizes. E, afinal, não é para isso que decidimos nos juntar com alguém, não é mesmo? A menos, é claro, que tenhamos a crença de que amar é sofrer. Nesse caso… o buraco é mais embaixo.