Quando meu marido tomou a decisão de deixar o grupo em que trabalhava há 8 anos e iniciar um novo caminho, talvez – pensava na época – no mundo empresarial, fiquei muito orgulhosa pela sua decisão. Mais ainda, por compreender todas as implicações existentes na decisão de um homem, responsável e maduro como ele, ao deixar o que é considerado seguro, seu emprego, pelo incerto, seu futuro.

Depois que se tornou pública a decisão, muitos amigos, colegas e conhecidos falaram ou escreveram para nós fazendo comentários, desejando boa sorte e, para minha surpresa, em praticamente todos, percebi admiração e o desejo profundo de fazer o mesmo. Olhando para trás, para o caminho que trilhamos desde então, só posso dizer e relatar o privilégio que tive de acompanhar o processo de renascimento de um homem.

Meu marido, como muitos executivos, iniciou e sempre fez carreira corporativa, o que o brindou com maravilhosos aprendizados e lhe permitiu conhecer diversas culturas e pessoas, além de conseguir uma vida confortável. Mas o mundo corporativo, como tudo na vida, cobra seu preço. Costuma levar o colaborador a uma dependência e perda de identidade, a ponto de fazê-lo associar o próprio sobrenome ao da corporação mesmo sem se dar conta. Mais do que isso, achando que é algo bom e normal.

Meu marido passou gradualmente desse estágio para a decisão de sair pensando e refletindo bastante sobre isso. Mesmo com esse tempo ele não se planejou, não passou anos anos se organizando, fazendo investimentos, buscando outras oportunidades enquanto ainda estava na corporação. Não é o estilo dele agir com a frieza que costuma exigir de você ir se preparando por anos antes de sair. Além do mais, ele não se preparou para deixar a vida corporativa porque sua decisão não tinha como foco sair da empresa em que estava – ela foi uma consequência de um processo maior. O que meu marido vinha buscando de forma honesta e firme, nos anos anteriores, era se tornar um homem melhor.

Essa busca, ele a fez de forma linda, trabalhando seu interno através de análise, que frequentava rigorosa e valentemente, questionando-se e questionando tudo, enfrentando suas sombras e medos. Às vezes com dor, às vezes com belas surpresas, mas sempre firme no seu propósito de descobrir afinal quem ele era e o que queria ser dali para frente. No caso dele, à medida que tomava consciência de seu próprio eu, o homem em que ia se transformando teve que passar pela ruptura com o mundo corporativo – pelo menos da forma como ele vinha se relacionando. Mas isso, como já disse, foi consequência e não foco.

O movimento de deixar seu trabalho não significou, em nenhum momento, que estivesse sem medos. O medo faz parte, mas meu marido estava se sentindo mais seguro em enfrentá-los. Tinha consciência de que talvez errasse, de que talvez caísse, até porque ele nunca tinha sido da forma que se propunha ser. Talvez naquele momento nem ele nem eu tivéssemos a clara noção das dificuldades de começar, já maduros, uma nova vida. Mas com certeza havia algo nele que o empurrava para frente: era orgulho de si mesmo e das decisões que estava tomando. Aquele orgulho que a gente sente ao se olhar sozinho no espelho e que nasce, comumente, de quando sentimos que estamos sendo coerentes com a nossa alma.

Por estarmos num período de transição de valores, se eu puder dar uma sugestão embasada no privilégio de ter vivido o passo a passo da transformação de um homem, eu lhes digo que o emprego, o que irá se fazer profissionalmente, vem depois. Até porque com a transformação você, provavelmente, descubrirá novos interesses, novas aptidões e talentos. Primeiro tente, da forma mais honesta, firme, disciplinada e corajosa possível, saber quem você é de verdade e o que te faz ficar bem. Tenha a humildade de procurar ajuda, de rever conceitos. Procure tornar-se um ser humano melhor. Tenha a certeza de que você se sentirá melhor e as pessoas que te amam em volta reconhecerão a sua força e coragem de viver toda a sua potencialidade.

*Este texto foi originalmente publicado em 13 de julho de 2007. Revisei-o para atualizá-lo aos dias de hoje, mas o sentimento e experiência nele expressos continuam atuais, especialmente, para estes momentos sociais.