Leio o nome da atleta norte-americana Simone Biles há dias e noto que uma grande discussão se estabelece ao julgar a coragem que teve ao expor seus problemas com a saúde mental em plenas Olimpíadas. Eu entendo que um dos pontos que tenha levado o tema a se tornar tão relevante é o fato de expor a sua vulnerabilidade.

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Como uma atleta olímpica, que deveria ser símbolo de sacrifício, dor e vitória, não aguenta a pressão e sede a vulnerabilidade? Será que ela pode desistir, colocando em risco uma ou algumas medalhas no histórico de seu país? Onde fica o patriotismo? O profissionalismo? No lugar que Biles ocupa, ela tem direito a ser humana e querer se preservar?

Devemos, antes de fazer qualquer julgamento, lembrar que vivemos em um tempo onde não existem respostas rápidas nem fáceis se não quisermos ser levianos. A complexidade se impôs na nossa forma de ver a vida descobrindo camadas e mais camadas que compõem um mesmo tema ou conceito.

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São muitos lados para observar e levar em consideração na nossa avaliação. Lados da diversidade que sempre compuseram o mundo e que só agora fazem parte do nosso microcosmo. Lados que promovem o inevitável conflito e deixam nua a nossa incoerência.

No caso da ginasta olímpica, existe um lado que não podemos menosprezar: o da cultura de sua origem. Uma cultura alicerçada na narrativa do herói que supera tudo em prol de uma causa maior. Quando passei um curto período no oeste norte-americano, conheci de perto a história dos pioneiros que desbravaram a região. Um território que, na perspectiva da história do homem branco, era indômito, mesmo sendo habitado por séculos pelos povos nativos. O que ouvimos são histórias de esforço, superação, conquista e dominação dessas terras. Narrativa que marca o etos da competitiva cultura norte-americana.

Outra camada que podemos usar para avaliar a decisão de Biles é o investimento do governo, dos patrocinadores e o esforço coletivo para ela estar nas Olimpíadas. Tem direito de pôr tudo isso por terra? Será que a decisão dela significa traição?

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Existe também a camada que nos apresenta a tensão de se preparar para as Olimpíadas num ano pandêmico. O desejo de respeitar a própria saúde mental e a coragem de desistir e mostrar a vulnerabilidade de alguém que deveria ser o símbolo do esforço e superação para obter a tão almejada conquista. Será que estamos prontos para heróis vulneráveis? Será que nosso conceito de conquistas reside unicamente no alto de um pódio, hierarquia ou valor financeiro arrecadado?

Eu vou lhes dizer o que eu penso: duvido que Simone Biles tenha se manifestado somente agora sobre os problemas do estresse emocional enfrentados. Duvido que em muitos casos, ela não tenha sido levada pela pressão a seguir em frente mesmo sentindo que adoece.

Mesmo sem oferecer tantas medalhas a uma cultura que dá um valor especial às premiações, ela fez um favor imenso a todos. Sobretudo, Simone Biles abriu caminho para desistir e, ao mesmo tempo, para continuar. Dar o tempo que o tempo necessita, para encontrarmos a cura.