Fala-se muito em narrativa hoje em dia. Palavra técnica, que como muitas, caiu na fala coloquial de pessoas que se interessam pelo entendimento do comportamento social. Fundamental o entendimento do que é uma narrativa para aumentar nossa capacidade de discernimento sobre os fatos.

Vou escrever de forma simples para esclarecer alguns pontos que sinto, no dia a dia, nem todos compreendem. Podemos dizer que todo fato é transmitido aos outros, a partir de uma narrativa. O fato acontece sem nenhuma interferência do olhar dos outros. A forma como é transmitido, carrega, sempre, o olhar de quem o narra. Sou da linha de estudos que acredita que não existe isenção na narrativa. Pode se tentar ser o mais neutro possível, mas zerar; considero impossível.

A construção da nossa narrativa (forma de contar os fatos) tem muito a ver com a visão de mundo que desenvolvemos. Desenvolvemos nossa visão de mundo a partir do núcleo familiar e social em que crescemos. Aprimoramos (aumentando ou limitando) nossa visão de mundo, com as escolhas das fontes que usamos para nos alimentar de informações.

É nesse momento que a famosa guerra contra os algoritmos das redes sociais se mostra cheia de razão. Especialmente, para aqueles que lutam por uma visão ampla sobre a sociedade. Nas redes sociais, os algoritmos, fazem que você só leia e receba informações sobre assuntos de teu interesse. E isso cai, muitas vezes, em narrativas que te agradam. Ao curtir ou ler mais tempo algo, você vai “ensinando” o algoritmo do que você gosta. A ideia é você não sair da rede, entende?

Quanto menos diversa tua rede de informações, mais você retroalimenta tua visão parcial e restrita do mundo. É uma escolha. Como quase tudo, na vida. Tem gente que gosta do mundo pequeno. Tem gente que gosta de ampliar horizontes. Nada de errado com algum dos dois. O mundo é assim, desde que é mundo. Gente ampliando, gente restringindo.

A experiência me mostra que, normalmente, quem gosta de mundo pequeno, precisa de segurança. Segurança baseada no conhecido. Costuma gostar do controle das situações e, em muitos casos, de se sentir com razão. Muitas vezes, ocupa um lugar no seu núcleo social da “correta”, da “certa”. Numa era de transição de valores, esta pessoa sofre. O que é difuso lhe gera instabilidade e insegurança. Especialmente, porque seu papel social se vê ameaçado. Não é a toa que a luta por padronizar e enquadrar a sociedade esteja tão em alta. Faz parte do perfil de pessoas que preferem o mundo pequeno.

Quem prefere um mundo mais amplo, costuma encontrar sua segurança na fluidez. Na capacidade de adaptação. Sua posição social, também relevante, não está em ser a “certa”, mas na agilidade de entender os mecanismos novos da sociedade. Essa pessoa costuma ter diversas fontes de informação. Às vezes contraditórias. A construção de sua verdade está, nesta era de transição, “in progress”. O tempo inteiro. Como diria um amigo querido, para este grupo, mundo é “beta”. Nunca tem uma versão final.

Difícil encontrar, nas minhas entrevistas, pessoas cem por cento pertencendo a uma das descrições que fiz acima. Fui aos extremos para melhor tangibilizar. É mais comum encontrar pessoas entre os pólos. Andando de um polo para outro. Tudo dependerá de seu momento de vida (a questão da sensação de segurança influencia muito). Seu estágio de desenvolvimento humano, também.

As narrativas partem de premissas. Muitas delas, históricas. Os valores e a visão de mundo de quem começou a narrativa, costuma dizer o rumo que ela segue até hoje. Muito do que faço aqui neste meu blog, Movimentos Humanos, é apresentar diversas narrativas. Quebrar um pouco a hegemonia das narrativas de eras passadas que ainda conduzem a nossa cosmovisão. Acredito que a abundância gere escolhas melhores. Pode confundir, pode irritar, só que com certeza, fará refletir. E se isso acontecer, já fiz meu papel.