Soube sobre a tragédia ocorrida na escola de Suzano, São Paulo, enquanto estava em Barcelona. Quando estou de férias, costumo ficar com certo distanciamento das notícias. Leio pouco os feeds nas minhas redes sociais. Minha intenção é estar o mais inteira que puder onde estou.  Absorvendo, o máximo possível, toda a cultura e experiência do local. Faço uma viagem dentro da viagem. Foi assim que fui impactada pela notícia– seguida do massacre de Nova Zelândia. Sem dúvida, a beleza e suavidade de Barcelona ajudaram a assimilar tanta violência e sofrimento. Ajudaram a refletir sobre os fatos com um certo isolamento.

Acredito que o primeiro impulso é culpar as armas – tê-las, não tê-las – a violência dos vídeos games – permitir, não permitir –, o desajuste de alguns jovens associado ao excesso de liberdade e núcleos familiares tradicionais desfeitos; ou, qualquer outra bandeira levantada nos dias de hoje, seja de esquerda, direita, centro e de qualquer ponto da nossa malha social. A mesma tragédia serve de argumentos para justificar pontos de vista totalmente opostos. Se essa tentativa de justificativa servir para ampliar a visão sobre o todo, sem dúvida, está valendo.

É claro que passei por todas essas possibilidades analíticas. Enquanto olhava o legado de beleza que Gaudí deu para Barcelona e para o mundo, lembrei que a violência faz parte das sociedades desde que elas nem eram consideradas como tais. Lembrei que hoje há mais controle sobre a violência do que antes. Estou convencida que não estamos mais violentos que antes. Só estamos melhor informados do que antes.

Compreender o que levou e leva jovens a assassinar outros, filmar, postar e querer ser reconhecidos por esses atos, exige um pensamento complexo bem desenvolvido, se não quiserermos ser levianos. Por isso não pretendo dar respostas. Ofereço reflexões que ajudam a entrelaçar alguns pontos analiticos.

A primeira é o entendimento de que em tempos de transição, os desajustes são o preço social que pagamos. Quando o velho não nos serve mais, e o novo ainda não oferece a segurança que muitos de nós precisamos para continuar, há um vácuo de valores e crenças que facilitam desajustes se tornarem comuns.

A segunda reflexão é que, especialmente minha geração, se não criou, ajudou a expandir uma expectativa sobre a felicidade que costuma nos trazer frustração; e, muitas vezes, a busca insaciável por algo idealizado que nunca se tornará realidade. Na frustração, a revolta aparece. A revolta nem sempre leva a violência. Só que pessoas com problemas mentais que se tornam agressivas sempre existiram. Revoltadas, costumam ser bem perigosas.

Devemos lembrar que quem controla nossos ímpetos agressivos é a moral regente. Numa fase de transição de valores, a moral está em reconstrução. Fica mais solta. Necessário para a reorganização. Se continuarmos a seguir os caminhos que tomamos, acredito que, dificilmente teremos uma única moral. Haverá, provavelmente, uma predominante, com diversas sobrepostas. Portanto, teremos que aprender novas formas de controle social. O próprio conceito de controle terá que ser revisto. Tentar voltar ao conceito antigo de controle – punição, repreensão, eliminação de direitos – chega a ser ingênuo. Pode até segurar um tempo, bem curto. Só que a história já mostrou que não impede e gera mais raiva social. A raiva social, como estamos vendo, gera tragédias.

A minha visão sobre a discussão das novas moralidades é positiva. Vejo e acompanho pessoas, grupos, organizações discutindo modelos e formas. De forma inteligente. Aprendendo com o passado, entendo o presente, tentando contribuir para gerar um futuro melhor para mais pessoas. Sempre haverá os desajustados. Os que discordam, só que a maioria se sentirá dentro da área de proteção social que necessita para viver.

A terceira reflexão surgiu a partir da segunda: a ideia de felicidade gerou pais que, em busca de seu próprio prazer, abrem mão da responsabilidade que significa criar  filhos justo num momento social delicado. Pais que escolhem ser mais amigos que pais, abrindo mão da autoridade e do trabalho – vamos convir, muito trabalho – que significa educar e corrigir um filho. Aqui vale uma ressalva: engana-se quem acredita que no passado os pais se dedicavam mais aos filhos. Mais uma falácia dos tempos modernos. Os pais, historicamente, costumam delegar a criação de filhos. Em épocas antigas, nem morar juntos, moravam.  É moderno o cuidado e atenção que damos às crianças. A diferença é que a moral social rígida evitava mais desajustes dos que já haviam. E vamos lembrar do que escrevi anteriormente, sem internet nos enteirávamos menos dos casos.

Seguindo o raciocínio que trago para reflexão, acredito que não seja uma questão de voltar ao passado – um “passado” que tem muito de imaginário – mas sim de compreender que em tempos de transição de valores precisamos de maior atenção e dedicação. Nos nossos atos e dos atos daqueles que somos responsáveis. Isso pode significar que, em vários momentos, o pulso firme seja fundamental. Devemos entender que o controle social está desconfigurado. É hora de abrir mão de nosso sonho individual de felicidade, e arregaçar as mangas como nunca antes o fizemos. Focar na criação de uma moral que queiramos para o mundo. Começando com os nossos filhos.