Dias desses fui convidada para ser a ceremonialista num casamento. São amigos queridos que acompanho desde que se conheceram. Escolhi falar sobre três pontos: amor e relacionamento – algo que, para mim, como tenho escrito por aqui, são coisas diferentes; o significado de celebrarmos um casamento – o compromisso que se assume perante o grupo social selecionado para estar presente; e por último, os elos que se criam ao unir dois seres humanos, ampliando os elos familiares. É sobre este último item que escrevo esta semana para refletirmos juntos.

O conceito de família tem sido bastante discutido e trazido a tona nos últimos tempos. Seja para reprimir novos formatos de família, seja para revalorizar, seja para desmistificar a sua simbologia. Considero tudo válido. Em tempos de transição de valores sociais, importante ouvir diferentes pontos de vista, arejar, refletir e decidir a partir desse novo conhecimento. Podemos manter a nossa opinião anterior, podemos amplia-la ou muda-la. Novos tempos têm essa potência de expansão e limpeza, deixando para atrás modelos arcaicos que, como sociedade, não nos servem mais. Mesmo que grupos menores desejem mantê-los. Sempre houve e sempre haverá quem avança e quem foca na manutenção de formas antigas. Nesse atrito produtivo, é que avançamos e nos desenvolvemos como humanidade.

Por mais modernos que sejamos, queiramos ou não, ao unir um casal, estamos unindo duas famílias. Pode ser pela paz, pode ser pela guerra ou negação. Provavelmente, na maioria dos casos, será pelo amor. O que não significa que será fácil. Cada família traz consigo sua própria história e visão de mundo. Os valores e crenças que ela foi entrelaçando ao longo da sua história criaram a janela por onde veem e levam a vida. É o que chamamos de visão de mundo.

É inevitável que essas visões sejam diferentes. E, considero que é aí a riqueza de tudo. Os grupos mais fechados e, por isso, menos arejados, valorizam o casamento entre iguais. É a forma que encontram de preservar e reproduzir sua visão de mundo. Eu nasci com essa crença. Ouvia dizer que tínhamos que escolher pessoas do mesmo nível intelectual, econômico, social. Na época não existia na minha família restrições sobre religiões, porque a maioria era católico. Portanto, a minha realidade era católica.

Com os anos, entendi que, sim, esses aspectos colaboram a tornar as coisas mais fáceis de se levar, ao mesmo tempo que te fecham em bolhas. E foi amadurecendo e estudando sobre nós, sociedade, que entendi que esse é um perigo maior do que a diferença de visão de mundo. É no atrito que crescemos. É no desconforto que nos mantemos vivos, despertos. Não precisa ser duro e cruel – embora alguns casos o são. O que considero importante, é entender que são as dificuldades que nos desafiam e costumam nos fazer crescer, desenvolver. São uma boa prova de amor e resiliência. Une ou separa o casal.

Hoje, aposto mais nas relações que possuem valores similares embora esteja quase convencida que são as crenças que nos unem, sejam nos seus opostos, sejam nas suas similaridades. Os valores regem a ética com que vivemos a vida. Sou da linha que considera a moral uma ação social e a ética um comportamento individual. As crenças dão vida aos valores. Dão forma e dirigem nossa forma de interpretar os valores no dia a dia. Como o pensador contemporâneo, Richard Barrett disse, valores unem as pessoas. Crenças as separam.

Portanto, a ética com que dirijo minha vida – tomo decisões, faço escolhas – dizem muito das crenças que me guiam. Sejam elas impulsionadoras ou limitantes. Quando nossas visões de mundo – e os interesses que vêm junto – estão alinhados costumamos acreditar que encontramos a pessoa perfeita para nós. Costumamos esquecer que junto com ela vem a família. E que nem sempre os valores são idênticos. Nos somos produtos desses valores, mas cabe a nós decidir se queremos reproduzi-los integralmente, parcial ou mudar radicalmente.

Muitos casais modernos acreditam que podem se separar da família com o simples fato de não conviver com eles. Vivem fugindo do convívio familiar. Ledo engano. A matriz familiar que nos formou levamos conosco até morrer. Ela está na forma como vemos a vida. E ela guiará nossa relação. Seja consciente ou inconscientemente. Conviver com a família ajuda a trazer à consciência o que guia o núcleo familiar. É mais fácil ver no outro, achando, muitas vezes, que essa característica está somente no outro. Ao observar, trazemos à consciência. Podemos escolher.

Foi conhecendo os pais do meu marido e suas famílias que compreendi de onde ele tinha vindo. E o que considero mais importante: como ele lidava com essa herança de valores e crenças. Se optava por enxergar ou não as características que não combinavam com nossa vida em comum. É ai que surge o distanciamento saudável da herança familiar. E esse distanciamento não precisa ser físico.

Como disse no casamento que realizei, somos o elo forte dessa união entre familiares. Por isso precisamos de lucidez e distanciamento para poder manter essa união que tende a ser diversa e por isso, nem sempre fácil. Compreender quais traços e crenças nos guiam, mesmo inconscientemente; quais questões familiares fazem parte desse grupo social e que nos afetará mesmo que não queiramos e estejamos fisicamente distantes; nos ajuda a fazer escolhas conscientes de quais crenças e valores iremos passar para frente e trazer para a união. E quais deixaremos de fora de nosso lar.

Para ter uma convivência saudável com os diversos aspectos das famílias, precisamos abrir mão crítica. Evitar entrar na competição de qual lado é melhor. Competição não é amor. Ela costuma acontecer quando uma parte de nós ainda não amadureceu. Quando ainda precisamos da comparação para ter valor. Ainda não conseguimos a maturidade necessária para simplesmente ser. Olhar o diferente, como oportunidade de ampliar a nossa visão de mundo; questionar nossos pontos de vista e decidir com convicção o que queremos continuar a ser, são alguns dos pontos que a convivência com a família estendida traz. Especialmente quando somos o elo amoroso que une universos distintos.