Costumo receber mensagens inbox pelas minhas redes sociais. Em diversas delas, as pessoas me contam o momento de vida que estão passando, suas experiências ou suas opiniões sobre os textos que publico. Uma delas me fez sentir, de forma intensa, a dificuldade que muitos vêm passando nestes tempos de pandemia da covid-19. O que os números mostram todo dia, de repente, se converteu em alguém de carne e osso, passando por um momento muito crítico. Poucas coisas me tocam mais do que me conectar com a dor humana.

A mulher que me escreveu me contou que a renda da sua família estava focada num pequeno comércio – um dos muitos setores seriamente atingidos pela pandemia que assola o planeta. Sem entradas e com contas a pagar – provavelmente, ainda, sem um colchão financeiro suficientemente forte para aguentar meses sem faturamento –, tinham decidido fechar o negócio e, numa tentativa de diminuir custos, estavam se mudando para o interior.

À medida que lia a mensagem, fui sentindo e imaginando a dor da minha leitora. O susto quando a pandemia foi anunciada. O não saber ao certo o que fazer e, muito menos, como reagir. O desespero de ver o tempo passar e o faturamento parar; a sensação de desamparo. As conversas que antecederam à difícil decisão de fechar o comércio, vender o estoque e ter que dar conta desse clima em casa e na família. Comunicar a amigos e familiares. Imaginei a dificuldade para decidir sair de São Paulo e ir para o interior. O possível sentimento de derrota que pode ter tomado conta deles.

As decisões, num momento como este de incertezas abruptas, tornam tudo mais dramático. Não há tempo a perder e ao mesmo tempo não se sabe o que fazer. Não há tempo para refletir e muito menos para esperar. De repente cai a ficha; entendemos que a situação é pior do que pensávamos no início e só nos resta agir como se estivéssemos num processo de retrocesso.

Num momento desses, a ajuda – não são palavras de consolo ou de uma religiosa ou crente míope; a pesquisa mais longa sobre bem-estar, conduzida pela Universidade de Harvard, demonstra isso. Talvez se deva a que a fé ajuda a aceitar as mudanças na vida e ensina que há outros caminhos a ser seguidos, além dos que imaginávamos. Talvez a fé promova a confiança em algo maior do que nós, que nos permite ter esperança por um futuro melhor.

Venho me dedicando à espiritualidade e à meditação, há mais de trinta anos. Sem elas, não seria o que eu sou hoje – para o bem e para o mal. A prática espiritual desenvolve uma visão a longo prazo e diminui a ansiedade que costumamos ter sobre o futuro. Por um outro ângulo, como pesquisadora, também tenho observado e aprendido que a vida tem sua própria dança – que é maior do que nós – e querer controlá-la ou mesmo planejá-la com exatidão é um exercício exaustivo e inútil.

Não é fácil recomeçar após um grande baque. O que pode ajudar é compreender os movimentos da vida e se disponibilizar para reagir a eles com o máximo de fluidez que seja possível. Nesse momento de transição, é importante dar atenção à voz interna que nos alerta e às portas que se abrem delicadamente e que podem passar despercebidas, se não nos conectarmos com a nossa sensibilidade. Os caminhos que seguimos nessa constante conexão com o fluir da vida são determinados por microdecisões. Pequenos sinais que nos convidam a trilhar rotas menos conhecidas. Para isso precisamos de coragem e de confiança em nós mesmos, nas nossas relações e, no meu caso, na espiritualidade.

Planejar a vida é importante porque pode nos dar um norte e também um sentido de organização, porém esse norte não deveria ser o destino definitivo. Pensar no destino como ponto final, e portanto catalogá-lo como sucesso da nossa vida, carrega uma dose de ilusão e, por que não, de prepotência. Não somos, e não seremos nunca, maiores do que a vida e o mundo que construímos e que nos impõe – como vemos agora com esta pandemia da Covid-19 – sua majestade, mesmo sendo nós seus arquitetos.

Acreditar que iremos seguir adiante, nos adequando e modificando de acordo com o ritmo da vida, e encontrar outros significados para ela é mais do que esperança. É o que eu chamo de destino.