Há uma década vi crescer o discurso – e comportamento – de casais em relação à mulher parar de trabalhar para se dedicar exclusivamente à criação dos filhos. Esse movimento partia da ideia de que os filhos criados pelas próprias mães seriam mais bem criados. Lembro inclusive ter ouvido de uma entrevistada, cheia de orgulho, que tinha a responsabilidade de criar “o futuro da humanidade”. As estatísticas mostram claramente que, especialmente nas classes econômicas mais baixas da população, quando a mãe está por perto, a criança tem melhor saúde e o perigo de abusos sexuais diminui. Mesmo com toda essa informação, fiquei preocupada com esse movimento.

Meu ponto de aflição era e é um só: a história revela de forma contundente que a renda própria permitiu que a mulher saísse de uma relação abusiva ou que não lhe fazia bem. A independência financeira dá – para qualquer gênero – liberdade de opção. É sempre bom deixar claro que o conceito de liberdade aqui trazido remete àquela possível para quem faz parte de uma sociedade. Vamos sempre lembrar que não existe liberdade absoluta em sociedade.

Os números mostram: a violência contra a mulher aumentou na última década. Existe a velha discussão sobre se a conscientização trouxe mais denúncias ou se de fato houve aumento. Pessoalmente acredito que ambos. Existe um dado que não depende da conscientização da população: o número de mulheres mortas. O Atlas da Violência do IPEA aponta que em 2017 houve um triste recorde: 4,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Além de feminicídios, vale atentar que, no Brasil, uma mulher sofre de agressão a cada quatro minutos. O país da cordialidade e empatia também tem um lado sombrio e agressivo pela perpetuação do machismo estrutural.

Cada vez que toco nesses pontos, as pessoas costumam rapidamente associar esses índices às classes de baixa renda. Ledo engano. Existe, de fato, mais violência em lugares com maior densidade doméstica – mais pessoas morando no mesmo espaço – característica que se destaca em classes de baixa renda. No entanto, a violência contra a mulher atinge todas as camadas econômicas, porque ela não se refere só à violência física, mas também psicológica. Relacionamentos abusivos têm a ver com o machismo estrutural – o que significa que existem estruturas dentro do sistema da sociedade que o sustentam e retroalimentam – e com o exercício de Poder Sobre, neste caso quando o homem se sente mais homem (mais viril, mais macho) quando exerce o poder de subjugar alguém.

Se o assunto da violência contra a mulher não é suficiente para compreender a importância de todos terem renda própria, em especial as mulheres, por ser, ainda, um segmento de vulnerabilidade social na maior parte do país; poderíamos, nesse caso, pensar que a criação dos filhos tem uma fase de aproximadamente cinco anos de maior exigência da presença de um dos pais. E que, após esse período, voltar ao trabalho pode se tornar difícil. Sinceramente penso que uma mãe o dia inteiro presente – quando tem o dom da paciência e dedicação, que não são todas que têm – faz diferença para um filho. Mas também percebo que uma mulher inserida no mundo do trabalho abre portas no coração e na cabeça do filho, de forma que vai sedimentando o caminho para o trabalho e o futuro profissional dele.

Algumas mulheres comentam comigo que confiam nos seus maridos e que consideram equitativo o poder entre eles, mesmo não trabalhando. Acredito que existam parceiros e parceiras leais aos compromissos assumidos pelo casal. Assim como também existem aqueles e aquelas que, com o passar dos anos, vão mudando de valores e de perspectivas e podem romper com os compromissos assumidos.

Em suma, o que desejo trazer aqui para reflexão é que é da natureza humana a mudança através do tempo. São adaptações que vamos acertando de acordo com os nossos ciclos de vida e de maturidade. Não é necessariamente por maldade ou problema de caráter. Faz parte da vida que fatos nos influenciem de tal forma que decidamos mudar de rumo. Nessas situações podemos ficar desfalcadas sem uma renda própria, mesmo com a legislação a nosso favor. Canso de ouvir casos de mulheres separadas que não têm como provar a renda real que o ex-marido ganha e que, mesmo ficando com os filhos de ambos, penam para ganhar o mínimo necessário para sustentá-los. Ou veem seus filhos perderem o padrão de vida que tinham antes enquanto o ex-marido consegue mantê-lo para si ou proporcioná-lo a outra família.

No amor, costumamos confiar nas palavras e nos sentimentos; dificilmente mantemos um diálogo olho no olho para fechar acordos entre casais. E, quando o fazemos, ficamos nervosas e tememos ser duras ou frias demais. Como se a objetividade não fizesse parte do amor. Como se o amor não exigisse que acordos claros fossem feitos para a manutenção sadia da relação. Novamente, ledo engano. Como já disse algumas vezes nos meus textos do blog: amor e relacionamentos são coisas distintas, embora andem juntos. O relacionamento precisa de troca, o amor não. Para ambos fluírem bem, os acordos são o pavimento necessário para o amor deslizar sem decepções que levem ao rompimento do relacionamento. Mesmo que, em alguns casos, ainda exista o amor.