Estou voltando à ativa esta semana depois de um mês afastada. Inicialmente seriam somente férias mas o destino quis que tivesse que me despedir da minhã mãe – Mamita, como a chamávamos em casa. Ela faleceu no início do 26 de junho depois de quase 3 anos difíceis e nos quais, mais uma vez tive o privilégio de aprender com ela.

Em agosto de 2011, minha mãe chegou na nossa casa de repente. Sem aviso prévio. Ela teve um acidente doméstico e de uma mulher que morava sozinha e com boa independência viria a se tornar uma pessoa totalmente dependente, sem liberdade nenhuma.

A chegada de Mamita na nossa casa, causou uma reviravolta no nosso lar e na nossa família. Todos sofremos com esse impacto. Foram meses de adaptação difíceis, não só pela mudança drástica da rotina mas também pela perda quase total de privacidade pela companhia ininterrupta de uma cuidadora ou enfermeira – anjos que nos ajudam – que, por ficar em casa, não só acompanhavam Mamita mas a todos nós.

Durante um tempo imaginávamos que ela fosse melhorar e com isso ganhar maior independência e quem sabe voltar a morar sozinha. Ledo engano. O estado de saúde dela só se complicou. À medida que ficava evidente para nós que ela tinha vindo para ficar, sentimentos e atitudes foram surgindo na nossa família – sem contar nela, sem dúvida, a mais afetada com tudo isso.

Quero lhes dizer que considero a experiência que vivemos fantástica. De uma grandeza sem tamanho. Óbvio que ela não foi fácil. Mas para quem está aberto a se autoconhecer, refletir e procurar a evolução, é um PHD maravilhoso.

O primeiro ponto, que gostaria de compartilhar é a reflexão que nos provocou a pergunta de um sábio amigo ao ouvir nossa queixa sobre o que estávamos perdendo: “que sentimento é esse que não é capaz ceder à compaixão e acolher uma pessoa no final de sua vida”. Egoísmo e individualismo, respondo hoje. Sem dúvida. Aqueles sentimentos que fazem colocar em primeiro lugar nosso eu com suas vontades, desejos e crença de que a vida nos deve e por isso andamos por ela cobrando mais e mais. Ao ter os espaços invadidos, os planos e agendas modificados, os momentos de descanso alterados e diminuídos, a situação poderia ser um grande problema, insuportável para alguns, se não houver compaixão e compreensão do momento do outro, da pessoa que mais está perdendo, o idoso.

O segundo ponto é nossa cultura, e aqui vou focar na brasileira porque percebo diferenças em outros países latinos, de dar toda atenção às crianças e pouco aos idosos. Quando olhamos uma criança ficamos maravilhados com elas e embebecidos com a vida aflorando. E com nossos idosos? Qual é o sentimento? Talvez a percepção do nosso futuro. Creio que não queremos olhar para isso. Mas os idosos estão aí, cada vez vivendo mais e nos mostrando que mais cedo ou mais tarde chegaremos lá.

O terceiro ponto, é a alteração de papéis: você deixa de ser filha para se tornar mãe. E isso implica em impor, dar ordens e dependendo o caso, sem muita negociação. Creio que é uma das partes mais difíceis para ambas. Não tem como não errar na dose. Às vezes cede mais do que devia – e logo, logo as conseqüências, neste caso físicas, se fazem notar – ou fica rígida demais o que torna tudo muito duro e difícil. Assumir que agora é você que é responsável pelos teus pais – com tudo o que isso significa – não é fácil. Nessa fase, me ajudou muito interiorizar o conceito de devolver o amor e a dedicação recebida. Juntando com o primeiro ponto, tentar diminuir o egoísmo e a auto-importância, considero um dos maiores e mais bonitos aprendizados que tive. É quando você se disponibiliza a amar sem troca.

O quarto ponto é compreender que o amor e dedicação que você dá é uma decisão sua. O ideal familiar nos diz que a família estará unida para colaborar em igual proporção, distribuindo a dificuldade e o trabalho. Mas isso é ilusão para a maioria das famílias. Cada um se envolve com o que está disposto e de acordo a seu grau de compreensão e desenvolvimento humano. E o que você oferece em atenção, amor, dedicação, trabalho… pertence a você. Quando compreendi isso, tudo ficou mais amoroso e fácil de lidar.

Uma vez uma prima escreveu, quando sua mãe passou por uma grave doença, que era como se sua vida tivesse parado. Hoje sei perfeitamente o que isso significa. Minha vida não parou, mas ela se fechou, se restringiu. O desgaste emocional e psíquico é maior do que a gente consegue entender. No fim da vida, nenhuma rotina pode ser planejada porque novos quadros vão surgindo. Aprendi sobre tantas doenças e sequelas que o corpo é capaz de gerar nesse processo, e também, claro, a quantidade de produtos e serviços que existem para isso. Era um mundo que eu desconhecia completamente e de repente me vi nele envolvida sem muito tempo para raciocinar. Eram como ondas que vêm sem descanso. E não são somente sete.

Mas, o quinto e maravilhoso ponto da minha longa reflexão que me permiti hoje – desculpem por isso –  é o que considero mais importante: o exercício de amor profundo que minha mãe e eu tivemos nesse tempo divino. Aprendi no Projeto Mulheres que as relações mãe-filha nem sempre são tão fáceis ou resolvidas. Depois de ir trabalhando os pontos que mencionei acima, claro que meio consciente, meio inconsciente, só restou a compreensão que minha mãe e eu tínhamos uma oportunidade única de colocar nossa história a limpo e dissolver mágoas, incompreensões, mal-entendidos e praticarmos algo que sempre existiu entre nós: o amor.

No último ano e meio de vida dela, se por um lado sua saúde piorou consideravelmente e fez minha vida virar um constante sobressalto, por outro, nossa relação era só amor e ternura. Doação genuína, de ambos os lados. Vivia agradecendo a oportunidade que tinha por dar amor e por retribuir o que tinha recebido dela. Como mulher madura, entendi minha mãe, suas decisões, suas escolhas. Posso não concordar com elas, mas respeito e admiro a coragem que sempre teve em seguir adiante.

Graças à Mamita e esse tempo intenso que vivemos juntas, hoje vejo a vida de forma diferente. Consciente que o único arrependimento que fica no nosso coração quando perdemos alguém que amamos profundamente, é o amor que não fomos capazes de dar. Mais um legado de minha mãe para minha vida.

 

Durante os 3 anos, Mamita cuidava e observava atenta para

esta roseira que insistia em não dar rosas.

Até que um dia brotou esta, linda, grande e perfumada

rosa branca. Veio especialmente para deixa-la feliz.