Por viajar ao norte e nordeste como pesquisadora há um bom tempo, não foi surpresa verificar, durante o andamento do Projeto Mulheres, o quanto as mulheres de Recife estão em estágios diferentes das mulheres paulistas. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto crenças latentes relacionadas ao feminino nas mulheres de Recife, ainda reverberam nas paulistas.


Em certos momentos parece que estamos em pontos tão distantes mas quando nos desnudamos de nossas personas, posses e proteções, apresentamo-nos mulheres. Simplesmente mulheres. Tais como as meninas que fomos um dia brincando de roda entre amigas.

Há tanto desejo de falar, de ser ouvida, de ser acolhida nas nossas inseguranças, nossas alegrias e dores que conduzir essas entrevistas nem sempre foi tarefa fácil; precisamos de força para sair do mergulho que a história do outro nos levava.

Vamos refletir sobre as diferenças. Percebemos em Recife um peso maior pela imagem pública, pelo papel social da mulher, aqui contido todos os códigos morais e comportamentais de como seria uma (boa) mulher.  Em toda sociedade existem estes códigos e contribuem para estabelecer os parâmetros de convivência e, claro, o julgamento social dos indivíduos que fazem parte dela. 

O que nos surpreendeu foi a homogeneidade dos códigos que regem o papel feminino em Recife em todas as camadas econômicas (de A1 a C2) e faixas etárias (de 20 a 55 anos) que pesquisamos. Com isto compreendemos a dificuldade e o peso que deve ser ‘ousar’ ser diferente numa sociedade assim. 

O estereótipo de mulher ideal é bastante concreto e por isso limitado, perdem-se nuances, perdem-se possibilidades de livre expressão. Chega a ser, em muitos casos, castrador.

Lá, a importância de ‘o que dirão’, faz toda a diferença. É uma censura dissimulada – ou as vezes nem tanto – que permeia todo ato e atitude. Há sempre o olhar de um vizinho, de um amigo ou parente observando, julgando. Tentando enquadrar. Obviamente, é uma sociedade menos individualista, mais agregadora, o que leva as pessoas também a se sentirem mais acolhidas e protegidas, mas o lado sombra disso surge, quando em nome dessa proteção as pessoas interferem umas nas outras desrespeitando individualidades e livre arbítrio.

Quando uma mulher vive uma situação considerada inadequada, a família interfere as vezes como aliada e ajudando, mas outras, o faz julgando e tentando ‘corrigir’. A ‘falta’ desse membro chega a ser coletiva. O que pode explicar a patrulha familiar que se instala em alguns casos.

O que me leva a refletir o porquê a sociedade caminhou para a individualização. A dificuldade de não poder se expressar fora de normas estabelecidas – muitas rígidas – deve ter causado, e aqui eu falo só para manter o raciocínio, em mulheres, uma angústia dilacerante, um desejo de fugir e correr para muito longe, sem parar. Viver sozinha, nesses casos, deve ter sido um alívio.
A minha reflexão caminha para compreender qual é a medida certa entre indicar caminhos, orientar e deixar a liberdade do outro se expressar. O quanto, em quanto mulheres, somos nós mesmas julgadoras das outras? o quanto apoiamos verdadeiramente aquelas que tiveram mais brio para correr atrás do que lhes alegra? o quanto formatamos, literalmente colocamos em formas, os modelos ‘adequados’ do que é ser mulher?
É bom reconhecer, nestas horas, que Recife pode não estar tão longe de São Paulo.
Publicado originalmente em 13/04/11 no blog: http//euporummundomelhor.blogspot.com