Quem é mulher, passou dos trinta anos e está num relacionamento sério ou mesmo solteira, deve estar sentindo a pressão social para ter filhos. Construímos, sem dúvida, uma sociedade com fortes traços individualistas. Com tudo de bom e tudo de ruim que isso significa. Um dos pontos positivos dessa sociedade que construímos – e provavelmente um dos motivos pelo qual lutamos por mais individualismo – é focar nossa atenção naquilo que realmente queremos. Nos permite maior liberdade de escolha. O que não impede que carreguemos o peso da cobrança familiar e social para cumprir o ciclo previsto de todo adulto: casar e ter filhos. De preferência, nessa ordem.

Sobre casamento, escrevi a semana passada, agora quero promover reflexão, junto às mulheres, sobre a decisão de ter filhos. A decisão de ter filhos passa, necessariamente, pela decisão de ser mãe. Lamentavelmente, isso não é tão óbvio. Muitas mulheres pensam em ter filhos pelo prazer de imaginar sua descendência. Outras, para experimentar a gestação e a maternidade. Várias consideram que com isso poderão se sentir mulher de “verdade” por ser mãe. Também há aquelas que desejam ter uma família ou uma companhia – “não estarei mais só” – ouço nas minhas entrevistas.

Independente das crenças envolvidas no universo feminino em relação aos filhos, creio fundamental pensar em toda a responsabilidade que é ser mãe. Assim, como pai, mãe é para a vida toda. Não dá para se “divorciar” do filho no meio do caminho, embora algumas tentem fazê-lo. E digo tentem, porque mesmo se distanciando, serão mães dos filhos que procriaram ou adotaram. Mães omissas e irresponsáveis. Mesmo assim, mães. A maternidade é o tipo de responsabilidade que, uma vez aceita, estará sempre conosco.

Penso que ser mãe é uma das decisões mais pessoais que existe. Como me perguntam sobre essa questão, resolvi escrever, a partir de minha experiência pessoal. Lembrando que o que serve para alguém, costuma servir mais como reflexão e menos como modelo. As múltiplas variáveis que regem a realidade de cada um, o torna único nesse universo comum que é ser, ser humano na Terra. Portanto, único será o resultado de suas decisões.

Tenho cinquenta e dois anos de idade e não tenho filhos biológicos nem adotados. Foi uma decisão consciente que fiz chegando aos 40 anos, data limite considerada pela medicina, para uma gravidez saudável sendo a primeira gestação. Não carrego nenhum arrependimento pela decisão tomada.

Tenho certeza que seria uma pessoa diferente com filhos. Não sei se melhor – embora já disse no passado, que acreditava que a maternidade me faria uma pessoa melhor. Hoje tenho minhas dúvidas. Vejo muita mãe neurótica, frustrada e sentindo-se presa por aí. Talvez eu tivesse sido uma delas.

Acredito que para chegar bem e feliz à minha idade, sem passar pela experiência da maternidade, alguns aspectos contribuíram:

1) Isolamento na decisão. Na época disse para meu marido que a decisão de ter filhos era minha. Explico: tínhamos tentado tê-los. Sem sucesso, e uma nova tentativa, implicaria nova bateria de hormônios. Isso me incomodava profundamente.  Outro ponto relevante era que meu marido já tinha dois filhos, com os quais exercia, maravilhosamente, sua paternidade. Portanto, quem ficaria sem filhos após os 40 anos, seria eu. Ele entendeu e aceitou. Levei meses para decidir. A decisão foi resultado de reflexões sobre mim e o futuro do ser humano que poderia trazer ao mundo.

2) Confiança no meu Sentir – aquela voz interna que diz o que você realmente está sentindo.  Faço meditação desde os 25 anos. Sou espiritualista. Acredito que isso ajudou a me isolar na decisão e me ouvir. Afastando as cobranças sociais e as crenças inseridas na minha cabeça desde pequena.

3) Autoconhecimento. Tenho escrito bastante sobre a importância do autoconhecimento. O autoconhecimento permite maior nitidez sobre quem somos, o que queremos, quais são as crenças que nos guiam – motivadoras e limitantes. Não creio que consigamos desativar todas as crenças que nos guiam. Mesmo assim, ao conhecê-las podemos entender como vamos reagir a uma determinada situação. Sobre a maternidade, pensei sobre o que era realmente importante para mim. Entendi que amar e cuidar são fundamentais. O amor, para mim,  não tem forma nem conexão direta ao sangue – muitos acreditam que família é só quem carrega o mesmo sangue. Respeito essa opinião. Sim, é um elo forte, porém, não único. Pratico o amor e o cuidar com as pessoas em minha volta. Inclusive com meus enteados. Dois seres humanos especiais com quem trilho a vida.  Não como mãe, porque eles têm a deles. Como madrasta, com todo orgulho dessa palavra. Uma adulta que incentiva, ensina, orienta e mostra, especialmente com o exemplo, possibilidades, além daquelas que os pais deles poderiam apresentar.

3) Visão sobre o contexto em que me encontrava e todos os envolvidos na minha decisão. Ter filhos não é um fato isolado. Eles nascem dentro de um contexto pessoal, familiar, social e mundial. Acredito que amar o filho antes de nascer, nos coloca na posição de avaliar se é hora dele vir ou não. Pais podem se separar. Pais podem morrer. São fatos que não podemos prever com exatidão. Estarmos abertos aos imprevistos faz parte de estar vivo. O que não impede avaliar o momento de conceber. Com maturidade. Sem jogar na vinda da criança, a responsabilidade da nossa felicidade ou da permanência do amor que pode não durar para sempre.

No nosso caso, meu marido estava prestes a fazer uma grande virada profissional. Os meninos, ainda adolescentes, passariam por mais uma virada na vida deles, colocando em xeque o que parecia “seguro”. Definitivamente não era o momento. Precisávamos da maior quantidade de liberdade possível para assumirmos mais riscos. Sinto que tomei a decisão certa. Às vezes, penso em como seria nossa vida hoje com um pré-adolescente ao nosso lado. Seria linda. Como é linda a vida que levo comigo mesma, com meu marido e os meus dois enteados, agora homens, que continuam, todos, fazendo parte direta da minha vida.