No início de 2020 me senti aliviada – antes da pandemia, é claro. Após ter observado retrocessos no avanço dos direitos da mulher e da equidade de gênero nas ondas de 2016 e 2018 de minha pesquisa – estudo que realizo desde 2010 e que acompanha os valores, crenças e sentimentos dos homens e mulheres brasileiros –, a alma voltou ao corpo quando analisei a primeira onda de 2020. Meu estudo apontava que ,mesmo tendo dado alguns passos de retrocesso, não voltaríamos para trás: a nossa moral sobre essa questão tinha mudado.

Podemos achar que o feminismo não é para nós, que há exageros nos movimentos sociais que reivindicam equidade de gênero… podemos até acreditar que mulher nasceu para servir o homem; mas o que não podemos mais mudar, mesmo que queiramos, é que comportamentos machistas, especialmente os mais evidentes e grosseiros, que antes eram “naturalizados” – fenômeno social que associa algo produzido culturalmente como vindo da natureza –, hoje sejam vistos como errados e dignos de, no mínimo, reclamação.

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Sei que falta muito para que toda mulher reclame e faça parar ações que a desmoralizam ou que a tratam como se fosse um corpo disponível para comentários desrespeitosos, olhares lascivos ou mesmo toques abusivos. Só que também sei que estamos avançando a passos largos de tal maneira que as meninas que vêm atrás de nós dificilmente irão aceitar um homem que as trate mal com a mesma facilidade que minha geração aceitava.

Ainda ouço piadas sobre o Dia Internacional da Mulher:

“Deveria haver o dia dos homens, dizem em tom inocente. Não, não deveria”

As datas são escolhidas para celebrar algo muito importante que merece nossa lembrança anual ou para aumentar a representatividade daquilo que ainda não está devidamente reconhecido – é nisso que consiste a representação. Os homens dominaram o mundo por séculos, subjugaram mulheres, apropriaram-se de seus corpos, mentes, vozes. Por melhores que eles sejam, no individual, eles já têm representatividade demais.

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Não tenho a menor dúvida de que terminaremos esta década com a equidade de gênero – pelo menos no que se refere à equidade entre homens e mulheres, mas que abre caminho para todos os outros gêneros e identidades sexuais. Entraremos em 2031 muito mais equilibrados, conscientes e evoluídos. Quem considera que estou sendo otimista demais, talvez precise acompanhar o que vem acontecendo nos negócios – e quando se trata de dinheiro e economia, as pessoas consideram que é sério. Exigência de mais mulheres nos conselhos, metas de equidade de gênero no topo da hierarquia empresarial – são alguns dos movimentos consistentes, e que estão saindo do papel, que irão mudar a cara dos negócios até 2030.

Nós, mulheres, vimos nos preparando para essa virada. Há mais de uma década que somos as que mais estudamos – abrindo assim uma vantagem que irá demorar a ser cancelada.

O número de lares brasileiros chefiados por mulheres tem mais que dobrado em menos de duas décadas.

Isso significa que, cada vez mais, somos nós, mulheres, as que estamos aportando a maior renda para o nosso lar – é o que significa ser chefe de família segundo o IPEA e o IBGE, numa visão financeira dos papéis dos membros da família.

Em 2011, quando dediquei um ano para estudar os homens brasileiros – etapa da pesquisa que mencionei logo no início deste texto –, um dos momentos mais marcantes foi durante um workshop com homens em Minas Gerais. Quase no fim, quando o moderador pediu aos participantes que mencionassem um herói que admirassem e os inspirasse, todos, sem exceção, disseram, quase ao mesmo tempo: a minha mãe. Não é difícil de entender essa reação.

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São elas, as mulheres–mães, que ficam com os filhos mesmo quando o pai deles some – fato que me entristece. São elas que arcam com as despesas, as que fazem jornadas triplas – e ainda estudam! – para que os filhos possam seguir em frente. É evidente que há pais maravilhosos, maridos companheiros, homens incríveis – um viva a esses homens especiais! Estamos aqui mencionando números que mostram por si sós que, talvez por virem da opressão, são elas, nós, mulheres, que estamos avançando mais rápido e com maior consistência para uma representação social justa.

Celebrar o Dia Internacional da Mulher com alegria e vivacidade é celebrar e honrar a luta incansável de quem veio antes de nós, abrindo passagem, pagando todos os preços que podemos ou não imaginar, para que pudéssemos estar, hoje, no lugar em que estamos. Foi a luta dessas antecessoras que, inclusive, nos permite escolher ficar em casa cuidando de filhos e marido.