Ler a autobiografia do Nelson Mandela foi um dos meus deleites dos últimos tempos. A sua escrita despretensiosa e simples, devo confessar, inicialmente me desconcertou. Sempre tive o Mandela como um dos grandes líderes dos últimos séculos e por erro e hábito de avaliação, esperava um texto mais pujante, com as costumeiras frases de efeito que os livros de líderes costumam ter. Ledo engano. Ler Mandela é como ouvir um velho e doce homem numa preguiçosa tarde de domingo.

Enquanto navegamos através do relato da sua vida, Madiba, seu nome familiar, tem a generosidade de nós oferecer os sinais do que o tornou um dos grandes homens dos últimos séculos. Ele vai nos mostrando, docemente, que uma grande transformação se faz passo ao passo, com menos planejamento e certezas do que hoje em dia o líder costuma exigir.

Vai nos mostrando que a certeza é substituída pela coragem. Aquela coragem que vem da conexão direta com o coração e que nos faz acreditar, independente das provas. Independente do resultado.

Mandela nos mostra que o que move, não necessariamente é o desejo de reconhecimento social, tão comum nos líderes atuais, mas o desejo de usar seu poder para mudar o status quo existente. Principalmente, quando esse status quo representa uma violência sobre nossos valores.

Que a luta pela transformação precisa de disciplina e persistência. Muito mais do que de conhecimento prévio. Que a transformação para permanecer após instalada, necessita de consistência e coerência. Que quando as feridas são profundas, o perdão é vital. Ninguém constrói uma realidade melhor, com mágoas e raivas incentivadas.

Que o erro faz parte da caminhada. E que os seres mais próximos sofrem com a dedicação quase absoluta com a causa. Não tem como equilibrar. Quanto maior o desafio e a causa, maior o sacrifício de todos que amamos. E que provavelmente carregarão marcas pelo resto da vida.

Ele nos lembra que a causa é nossa. Dificilmente é familiar. Até porque só depois de iniciarmos a caminhada, entendemos a extensão da dedicação necessária. Assim, equilíbrio e liberdade, sonhos utópicos que nos alimentam; para tentar fazer o melhor possível, continuaram utópicos.

Ler Madiba página a página foi adoçando e pacificando meu coração. Ele me lembrou que a liderança transformadora pode ser humana. E por ser humana, tem sombra e luz. Basta colocar, nem que seja um pouquinho, a causa na frente do desejo da recompensa.

 

Imagem: Maureen Keating – Wikicommons “Nelson Mandela and the Congressional Black Caucus”