A resposta é sim. A sororidade vem acontecendo há tempos – muito antes de essa palavra se tornar conhecida – e tem se consolidado, especialmente, no âmbito pessoal. Lógico que, com a desigualdade social e cultural gritante do Brasil, existem grupos que oferecem resistência ou nem sabem o que significa. Mesmo assim, acredito que nada poderá impedir o avanço da sororidade na nossa sociedade nesta década. O volume de mulheres que compreenderam que é possível haver amizade profunda, lealdade e suporte emocional entre elas afasta as velhas ideias sobre os traços de comportamento feminino – tais como “mulher inveja mulher” ou “homem trai por culpa da mulher”– que induzem à crença da rivalidade feminina como algo “natural” e inevitável. As mulheres – e os homens – vêm entendendo que esses comportamentos estão mais conectados ao caráter humano do que ao gênero.

No âmbito corporativo, as mudanças são mais lentas – não é à toa que o foco na sororidade é tão forte –, e talvez valha a pena nos perguntarmos o porquê disso. Como sempre, há diversos motivos para algo assim acontecer. Um deles está relacionado à demora em assimilar um novo conceito e torná-lo comportamento. Tanto na esfera pessoal como na corporativo.

O novo sempre oferece resistência – e tem seus motivos positivos para isso. Quanto mais irrelevante ou superficial, mais abertura; portanto, aceleramos nossa mudança de comportamento. Resistimos quando lidamos com pontos que coloquem em perigo nossa estabilidade. Quando se trata da identidade conectada ao gênero – ser mulher, nesse caso – isso mexe com valores profundos, familiares, com lembranças, dores, alegrias, frustrações e expectativas. Difícil mudar comportamentos em territórios tão complexos de significados.

Nas empresas, a sororidade em si parece ser uma agenda secundária, à qual nos abrimos, quando não mexe com nossa estabilidade, e nos fechamos totalmente, voltando ao velho e conhecido modus operandi, quando estamos em momentos de crise – como em tempos de pandemia da covid-19.

Um outro ponto é que o ambiente corporativo é conservador por origem. Vem tentando se atualizar e se afastar desse modelo de governança, promovendo políticas progressistas no que se refere a temas como equidade de gênero, diversidade, inclusão. Mesmo assim, devemos lembrar que o capital, seu foco, tende a ser conservador, o que gera uma contradição com a qual nem todos sabem lidar.

Ainda, como sabemos, esse ambiente foi constituído por homens e seus valores. Embora esses valores venham, também, se modificando – vale lembrar o Movimento Humano O Homem Sensível – e várias organizações estejam dedicando recursos consistentes para que a renovação de valores aconteça, a maioria de nós sabe que, no dia a dia, navegar dentro do mundo corporativo exige desenvolver habilidades para lidar com um ambiente masculino e, muitas vezes, machista, fingindo que não o notamos.

Executivos jovens, que tenham pouco tempo em cargos de liderança, costumam chegar com toda a garra para mostrar serviço e demonstrar que sabem se comportar de acordo com os códigos ditos e não ditos da corporação. Nesse grupo, as mulheres estão chegando em peso. Além da insegurança natural de quem assume um novo cargo de liderança, elas ainda precisam circular num ambiente restrito, que tenderá, infelizmente, a ser mais masculino.

Como praticar a sororidade quando se é minoria? Quando se carrega, mesmo que no inconsciente, o sentimento de inadequação – que o ambiente machista faz questão de lembrar? Como lidar com tantas questões que o próprio desafio profissional já traz e ainda se dedicar a quebrar a barreira que impede a sororidade? Pois para mim só existe uma possibilidade: com coragem e consciência da responsabilidade social do lugar que se ocupa.

Quando ampliamos a visão de mundo do nosso microcosmo para o ambiente geral em que estamos inseridos e compreendemos que o lugar de liderança é um lugar de privilégio social, entendemos que todo privilégio social carrega responsabilidade. Estamos em tempos de transição de valores e o líder, consciente de seu papel, sabe que faz parte de seu desempenho trabalhar para romper com modelos antigos de comportamento que não devem ser levados adiante. Tanto pelo futuro da organização na qual trabalha, quanto pelo da sociedade em que ela está inserida.