Outro dia meu filho me deu uma grande bronca porque eu e meus irmãos não conseguimos fazer minha mãe ir ao médico. Soube que meu sobrinho havia feito a mesma coisa com meu irmão. Respondi que não era tão simples assim e perguntei o que ele imaginava que poderíamos fazer? Obrigá-la? Levá-la a força? Ele me respondeu: “Faça como você faz comigo: às vezes eu não quero ir num lugar e você me diz que, neste assunto, não tem espaço para discussão. Eu não quero ir, mas vou”.
Apesar do assunto ser a minha mãe – e estar levando muito a sério a reclamação dele, por alguns segundos, me dei o direito de respirar aliviada. A resposta dele indicava que existe um respeito conquistado por meio da minha autoridade como mãe. Autoridade, eu disse. Autoritarismo é outra coisa. Aliás não estaríamos tendo a conversa que narrei acima se eu fosse uma figura autoritária para ele. Confesso que uma dos maiores dilemas que enfrento como mãe é saber a medida certa entre o diálogo, a negociação e o limite. Existe sempre uma briga interna dentro de mim entre o ceder e o limitar. Portanto, saber que temos este equilíbrio é muito bom. Sempre peço discernimento ao universo para que este caminho continue assim.
Também sempre tive nos meus pais a figura de autoridade, embora não tivesse a metade da coragem do meu filho em questionar. Mas só percebi o quanto a autoridade dos meus pais era um porto seguro para mim, quando de fato perdi isso. Foi muito dolorido, mas vou tentar descrever: sempre busquei na minha mãe uma conselheira. Ela é (era) enérgica, firme, uma mulher até bem mais agressiva do que eu. Mas o outro lado desta mulher é a proteção e o grande coração aberto para acolher os filhos. Era muito bom buscar nela o conforto para os meus dilemas. Porém, há uns três anos atrás, passei por uma destas dificuldades que temos como nossos filhos no início da adolescência e, pela primeira vez, recorrer a minha mãe não adiantaria de nada. Ela está doente, uma doença que escurece a mente, que a deixa longe do presente. Me dei conta que não tinha mais como contar com minha mãe para amenizar o medo que estava sentindo daquele momento. Foi difícil para mim aceitar.
O que me confortou, depois de aceitar esta nova condição, foi o fato de saber que o exemplo dela existia dentro de mim e ele poderia me guiar para encontrar o próprio equilíbrio entre eu e meu filho. Não é a mesma coisa, mas já era muita coisa. Digo isso porque tenho muito amigos que não tiveram isso. Muitos tiveram pais bem mais amigos que os meus, companheiros que aparentemente se afinavam muito mais do que eu e minha mãe, por exemplo. Quando era jovem até sentia uma certa inveja disso. Mas hoje reconheço que prefiro ter a figura de pais que souberam impor limites a pais que era amigões de “farra” comigo.
É difícil ter esta dimensão porque me considero amiga do meu filho. Me sinto aberta e disposta a dialogar com ele. Quero compreender seu ponto de vista e quero poder ter ele presente em minha vida. Mas isso não significa que quero e, principalmente, que saberei tudo da sua vida. Como adolescente que é sei a importância do seu espaço e respeito muito isso. Também não significa que ele possa fazer tudo que queira.
E quanto a minha mãe e a cobrança dos netos para que eu e meus irmãos sejamos mais enérgicos com ela?  Pois a outra via dessa estrada, confesso, que ainda estamos aprendendo a fazer. É bem difícil obrigar aquela mulher teimosa a fazer qualquer coisa a contragosto. Estamos buscando o melhor caminho e somos aprendiz. Nossos filhos, ao que parece, estão nos ensinando algumas coisas  com a atitude linda de querer proteger a “vorinha” – que é como eles chamam minha mãe. Lindo, não? Difícil, porém lindo.

Vorinho e vorinha! Assim, carinhosamente, meu filho e meus sobrinhos
 chamam meus pais.  O desenho foi feito pelo meu sobrinho Gustavo Malucelli
 e está num quadro de anotações, no escritório do meu pai já faz quase 10 anos.
 Ele nunca deixou que apagassem.