Quando falamos em sociedade líquida, conforme o texto de ontem aqui no blog, a primeira coisa que me vem são os relacionamentos construídos a partir de bases virtuais. Pessoas que nunca se viram, de repente se tornam namorados, transam via webcam e conseguem até discutir a relação sem nunca terem se tocado. Tenho uma conhecida que passou mais de 2 anos num relacionamento assim para, só depois, conhecer o seu “namorado”. Quando a encontrava, ela sempre comentava isso ou aquilo do rapaz como se ele simplesmente estivesse viajando. A maioria das pessoas que a ouviam e não conheciam a história, jamais imaginariam que ele morava em outro país e que eles nunca haviam se encontrado. Até onde eu sei, eles ainda namoram e se veem uma, no máximo duas, vezes por ano. Fico impressionada, pois um relacionamento, para mim, é feito, entre outras coisas, de uma certa convivência de carne e osso. De olhar nos olhos e da tal química que só a presença é capaz de explorar. 


Por outro lado, tenho uma amiga com uma história bem mais complicada (e triste do que essa). Trata-se de uma mulher com valores muito firmes e princípios bem rígidos. Depois de muitas frustrações com homens, e de muito resistir, decidiu tentar um outro caminho para conhecer pessoas: os sites de relacionamento. Não se passou nem uma semana e ela conheceu um cara de uma outra cidade. Começaram a conversar, partiram para o bate-papo em redes sociais e em poucos dias estavam se falando por telefone. Sentindo-se completamente invadida por um sentimento novo, ela não agiu com a razão, como costumava fazer, e assim, pegou um avião e partiu em direção a cidade do moço. Conheceram-se, apaixonaram-se, enlouqueceram em apenas uma noite. Ela acreditou plenamente que havia encontrado o homem da sua vida. Ela queria isso, ela desejava, ela precisava desse amor. O próximo encontro já estava marcado quando o rapaz surtou. Não veio ao encontro e ainda começou a fazer ofensas horríveis a ela . Minha amiga adoeceu, elouqueceu, ficou sem chão. Tivemos que confortá-la. Tudo aconteceu tão rapidamente (em menos de 15 dias ela tinha o homem da sua vida e o ser humano que a fez passar pela maior humilhação da sua vida).

Quando ela me chamou pedindo socorro eu simplesmente não sabia nem que ela havia conhecido alguém e a história que ela me contou parecia história e ficção. Questionei, com delicadeza, se tudo não tinha acontecido muito rápido para ela estar tão abalada. Mas ela estava fora de si, sofrendo, magoada e ainda assim, desesperada para ter o rapaz de volta. Ela tinha o coração cheio de esperança que o moço voltasse a ser o da noite em que passaram juntos. Não deu tempo para se conhecer, amadurecer uma paixão, no entanto, na cabeça dela, era um relacionamento solidificado. Assustador! 

Veja…estou falando de uma pessoa com valores muito sólidos, uma pessoa séria e profunda. Uma mulher que gosta das coisas, digamos, “a moda antiga”: um encontro, um carinho, um beijo e aí para frente, até chegar a um relacionamento de fato. E de repente, essa pessoa, tão tradicional, havia vivido algo tão intenso e completamente fora dos seus padrões. Algo deste novo mundo que já não dá tempo para as coisas amadurecerem. 

No conceito de Zygmunt Bauman:  

Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si.”

No entanto, o desejo da minha amiga era viver o maior amor da vida dela. A paixão mais intensa que já provou. Sinal que os tempos são líquidos, mas nossos desejos e intenções ainda são feitas de sentimentos, de emoção, de conexão. Temos é que aprender a conviver com esses novos tempos. Com harmonia e equilíbrio para conseguirmos discernir entre o que pode (e até deve) ser passageiro e o que é consistente e verdadeiro para cada um de nós.