Estava fazendo uma pesquisa hoje cedo quando encontrei um livro maravilhoso chamado Correio Feminino. Trata-se de uma coletânea de textos de Clarice Lispector como jornalista de colunas femininas de diversos periódicos.Casada com diplomata e escritora famosa, Clarice usava pseudônimos para assinar essas colunas: Helen Palmer, Ilka Soares e Tereza Quadros. Claro que parei o que estava fazendo para ler algumas páginas e estranhei, inicialmente, a linguagem e a temática usada pela autora nos textos da Coletânea. Depois entendi: fiel ao target (mulheres da década de 50/60) ela escolheu uma linguagem mais simples, com recados sutis nas “entrelinhas”, afinal, os tempos eram outros. Foi difícil escolher apenas um dos textos para dividir com vocês. Optei por um que fala com as mulheres que trabalham foram e sobre o cuidado que as mesmas deveriam ter para não se tornarem masculinas no seu jeito de ser. Lembre-se que estamos falando de um texto de 1952, para mulheres desta época. Apegue-se ao conteúdo e não a forma:


Para as que trabalham fora… por Tereza Quadros (pseudônimo de Clarice Lispector)

Se você trabalha fora, comanda ou dirige equipe, trata de assuntos comerciais com homens, interessa-se por força da profissão, pela cotação do mercado, pela contabilidade mecanizada, enfim, se você é obrigada a deixar de lado as maneiras delicadas e muito femininas, muito cuidado! O grande perigo que a ameaça é a masculinização de seus gestos, de sua palestra, de seus pensamentos. É muito frequente ocorrer isso. Mulheres que, em essência e nas formas, são bastante femininas, e, no entanto, deixam-se influenciar pela linguagem e pelos assuntos áridos do mundo dos negócios. Sentem que os homens, à sua volta, aos poucos vão perdendo o interesse inicial e retraindo-se a uma reserva fria, e elas não sabem por quê. Recebem muitos convites para jantar, ainda, mas os galanteios começam a rarear. Conversa de “homem para homem” é o que parece que seus antigos admiradores passam a desejar. Por quê? Olham-se ao espelho, não encontram falhas na beleza ou na elegância, e continuam a não compreender. Pois, minhas amigas, o que acontece é que elas esqueceram a sua condição de mulher. Se observarem a si próprias nos seus gestos, no seu tom de voz, se ouvirem suas próprias palavras, ficarão espantadas. Onde terão ficado a antiga coqueteria, a graciosidade que dantes as tornavam centro das atenções masculinas? Quando conversam, já não sorriem, as frases são objetivas, geladas, e nenhuma acolhida cordial aproxima-se do seu interlocutor.
Por favor amigas que vivem no mundo dos negócios! Sejam eficientes, trabalhadoras, objetivas, mas não permitam que isso afete a sua feminilidade. Estudem-se com cuidado, quando notarem mudança no cavalheirismo masculino. É sinal de perigo.

Me lembrei de Peggy Olson (Elisabeth Moss), uma das protagonistas do seriado americano Mad Men. Para quem não conhece a série passa-se na década de 60, inicialmente na agência de publicidade fictícia Sterling Cooper, localizada na Madison Avenue,em Nova York.2 O foco da histórica é Don Draper (Jon Hamm), diretor de criação da agência e um dos sócios-fundadores. A trama tem como foco a parte profissional das agências de publicidade e as vidas pessoais dos personagens que trabalham nelas, à luz das mudanças sociais ocorridas nos Estados Unidos da época.

A Peggy inicialmente é a secretária do Don. Uma menina super insegura que acaba se tornando a primeira redatora de uma agência de publicidade. Encontrei um video no youtube que demonstra a “evolução” da Peggy em suas diversas temporadas. Está em inglês, mas mesmo que você não entenda o que eles falam, vai perceber na figura da personagem, uma grande transformação: da moça feminina e suave, para a poderosa publicitária que brigava de igual para igual com seus pares todos homens e bem acostumados a um ambiente absolutamente machista.


Justiça seja feita: não deve ter sido fácil para as “Peggys da vida” abrirem nossos caminhos. Porém o lado negro desta história foi nos tornar tão agressivas e masculinas ao conquistarmos nossos espaços profissionais. Outro dia falamos sobre isso no texto O dia em que amorosidade me atrapalhou. Se as moças lá nos idos anos 50 tivessem escutado a escritora, talvez já tivéssemos ultrapassado mais esse dilema, não é mesmo?